O
cristianismo foi dividido há quase mil anos e pela primeira vez desde então as
duas ramificações mais numerosas voltam a se reaproximar.
Entenda a seguir porque católicos e ortodoxos se separaram e
porque essa distância foi mantida até hoje entre as duas grandes ramificações
do cristianismo.
A história da divisão
Em 330 d.C., o imperador Constantino decidiu fazer de
Constantinopla a “nova Roma” e torná-la a capital do Império. Em 381, o bispo
da cidade alegou um primado de honra logo abaixo do de Roma. O imperador
Teodósio foi o último a governar um império unificado, com sede em
Constantinopla. Depois de sua morte, o Império Romano se dividiu em Império do
Oriente e Império do Ocidente. Com isso aumentaram as pretensões do bispo de
Constantinopla, que no Concílio de Calcedônia, em 451, obteve a confirmação de
seu posto de honra e uma jurisdição efetiva em várias dioceses, decisão adotada
depois da saída dos legados romanos do Concílio e nunca reconhecida pelo papa.
Em Constantinopla, se desenvolveu pouco a pouco a convicção de
que o bispo deveria ter sobre o Patriarcado uma autoridade absoluta, ainda que
se devesse reconhecer, em nível honorífico, inferior ao bispo de Roma, que
teria então uma autoridade absoluta sobre os territórios do Ocidente. Outros
fatores contribuíram para a separação, como a diferença da cultura latina e da
greco-oriental, a ênfase teológica distinta e a política dos imperadores do
Oriente, que não viam com bons olhos que a Igreja de seu Império dependesse de
uma autoridade estrangeira – o papa – o que os levava a apoiar as pretensões
dos patriarcas.
Depois de um breve cisma entre 863 e 867, findado pelo patriarca
Fócio de Constantinopla, o cisma definitivo se deu em 1054, com o patriarca
Miguel Cerulário, que não rompeu relações com Roma, porque elas de fato já não
existiam, mas fez fracassarem todas as tentativas de retomada de relações e
voltou a abrir a polêmica contra os ritos e os usos latinos iniciada por Fócio.
As Igrejas do Oriente, seguindo Constantinopla, deixaram de reconhecer o
primado de jurisdição do papa.
As diferenças
O que hoje nós chamamos de Igreja ortodoxa – palavra que
significa “doutrina correta” – é uma comunhão de quatorze Igrejas autocéfalas,
isto é, autônomas, que professam a mesma fé e, com algumas diferenças
culturais, celebram os mesmos ritos. Elas reconhecem no Patriarcado Ecumênico
de Constantinopla um primado de cunho apenas honorífico, não tendo o patriarca
de Constantinopla jurisdição sobre os demais patriarcados.
Há poucas diferenças doutrinais entre os católicos e os
ortodoxos. Uma das mais expressivas, que catalisou o debate teológico na época
do cisma de 1054, diz respeito ao Espírito Santo. Enquanto os ortodoxos dizem
que ele procede apenas de Deus Pai, os católicos acreditam que ele proceda do
Pai e do Filho. Ultimamente, porém, isso tem sido visto mais como uma diferença
de ênfase teológica do que como uma diferença propriamente de dogma.
Embora não estejam em plena comunhão, a Igreja católica
reconhece a validade dos sacramentos celebrados e a presença da legítima
sucessão apostólica nas Igrejas ortodoxas. Além da questão central do primado
de jurisdição do papa, as grandes diferenças entre os dois grupos se referem
sobretudo a questões de calendário, normas disciplinares, usos e costumes
culturais.
Proselitismo
Um dos problemas existentes entre a Igreja Católica e o
Patriarcado de Moscou é a acusação de proselitismo que a Igreja russa dirige
aos católicos, que usariam de atividades caritativas, como creches, com o fim
de difundir a fé católica entre os ortodoxos. No começo do século XXI, as
relações entre os católicos e os ortodoxos russos se dificultou. Em 2002, João
Paulo II transformou as administrações apostólicas do território russo em
dioceses, suscitando protestos oficiais da Igreja russa, incluindo a expulsão
de um bispo e quatro padres católicos do país.
Tadeusz Kondrusiewicz, que foi arcebispo católico de Moscou,
afirmava que a acusação era infundada: “Não queremos invadir o território de
ninguém, não queremos roubar fiéis de ninguém. Aliás, afirmamos com vigor o
princípio de que todo homem tem direito a escolher a sua própria fé. Mas se o
Patriarcado de Moscou pode ter paróquias na Itália e em outros países da
Europa, nas quais prestam serviços sacerdotes que em muitos casos quase nem
falam russo, por que a Igreja católica não teria o direito de existir e atuar
na Rússia?”, disse ele à imprensa religiosa na época da polêmica.
Contudo, o patriarca de então, Aleixo II, era muito explícito
sobre essa questão: “Os documentos sobre o proselitismo católico, em seu núcleo
fundamental, são o resultado de uma investigação escrupulosa e objetiva da
situação real.” Na Rússia, os católicos são menos de 1% da população.
Outro fator de discordância é a situação da Igreja
greco-católica ucraniana, de rito oriental e língua litúrgica ucraniana, que
mantém a comunhão com Roma. É o chamado “uniatismo”: as Igrejas de rito
oriental que aceitaram voltar à plena comunhão com o papa mantendo os próprios
ritos, cultos e tradições e uma ampla autonomia eclesiástica. O uniatismo foi
motivo de polêmica entre a ortodoxia e o catolicismo: para os ortodoxos, as
Igrejas uniatas são um instrumento do proselitismo latino.
O caminho para a unidade
Até o século passado, não havia sido realizado nenhum encontro
entre os líderes da Igreja católica e da ortodoxa. O primeiro encontro de um
papa com um patriarca se deu em 1964, quando Paulo VI se reuniu em Jerusalém
com o patriarca ecumênico de Constantinopla, Atenágoras. Naquela ocasião, ambos
se retrataram das excomunhões que as Igrejas trocaram em 1054.
O diálogo entre católicos e ortodoxos se estreitou cada vez mais
desde então. João Paulo II falava da necessidade de alcançar uma “comunhão
afetiva”, antes de se chegar a uma “comunhão efetiva”. Bento XVI, por sua vez,
visitou o patriarca ecumênico Bartolomeu na Turquia, em 2006, que retribuiu a
visita em 2008, na festa de São Pedro e São Paulo, quando o papa e o patriarca
dividiram a homilia e rezaram o credo juntos em grego. No mesmo ano, Bartolomeu
participou do Sínodo dos Bispos no Vaticano.
Quando Francisco foi eleito, em 2013, Bartolomeu compareceu à
missa de inauguração do pontificado, o que nunca tinha acontecido desde o
cisma. Em 2014, o papa e o patriarca repetiram o gesto de Paulo VI e Atenágoras
em Jerusalém, celebrando os 60 anos do acontecimento. Logo depois, quando
Francisco reuniu os presidentes de Israel e da Palestina para um momento de
oração no Vaticano, Bartolomeu também marcou presença.
No ano passado, Francisco se mostrou disposto a alterar a data
em que os católicos celebram a Páscoa para que a principal festa do
cristianismo fosse celebrada simultaneamente por católicos e ortodoxos. Além
disso, o ensinamento de Bartolomeu sobre o cuidado com o meio ambiente, tema
que lhe é muito caro, mereceu toda uma seção da última encíclica de Francisco,Laudato
Si’.
Um passo que ainda não havia sido dado era o encontro de um papa
com o patriarca de Moscou. Era um evento aguardado há muito tempo, dada a
importância da Igreja russa dentro da ortodoxia: é a maior e mais numerosa das
Igrejas autocéfalas ortodoxas do mundo, com quase 150 milhões de fiéis. As
tensões nas relações entre católicos e ortodoxos na Rússia impossibilitavam a
realização de um encontro cordial. Pouco a pouco, as relações foram se
estreitando, com o cada vez mais frequente encontro de delegações das duas
Igrejas. O patriarca Kirill, como seu antecessor, também foi muito crítico em
relação à Igreja católica, mas quando inaugurou o sínodo dos bispos da Igreja
ortodoxa russa, em 2 de fevereiro de 2013, falou do “claro reconhecimento da necessidade
de unir forças em defesa dos valores tradicionais cristãos e se contrapor a
algumas ameaças da modernidade, como a secularização agressiva, que ameaça as
bases morais da vida social e privada, a crise dos valores da família e a
perseguição e discriminação dos cristãos no mundo”.
O Sínodo Pan-Ortodoxo
Em março de 2014, os primazes ortodoxos realizaram uma Sinaxe,
nome que dão às suas reuniões, em Istambul. Naquela ocasião, decidiram convocar
um Sínodo Pan-Ortodoxo, o “Santo e Grande Concílio da Igreja Ortodoxa”, que
será realizado entre 16 e 27 do próximo mês de junho, sob a presidência do
patriarca ecumênico Bartolomeu, com participação de delegações de todas as
Igrejas ortodoxas autocéfalas.
O Sínodo estava inicialmente previsto para ser realizado em
Istambul, mas devido a tensões internacionais entre a Turquia e a Rússia, que
colocariam em risco a presença no encontro dos representantes do Patriarcado de
Moscou, a sede foi transferida. Na última Sinaxe, ocorrida no mês passado em
Chambésy, na Suíça, os primazes escolheram como nova sede Creta, ilha sob a
jurisdição do patriarcado de Constantinopla, por oferecer condições logísticas
mais favoráveis e por já ter abrigado conferências teológicas.
Em Chambésy, foram aprovados os temas parte da agenda do Sínodo.
Entre estes, além da “missão da Igreja ortodoxa no mundo contemporâneo”, está
presente também a questão das relações da Igreja ortodoxa com as outras Igrejas
cristãs. Também foi aprovada a participação de observadores não ortodoxos
durante as sessões de abertura e de encerramento do Sínodo. Uma reunião
ortodoxa dessa magnitude nunca havia acontecido desde o cisma de 1054.